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Você já comeu insetos? Ao ler esta frase sentiu curiosidade ou repulsão…? O consumo alimentar de insetos - conhecido pelo termo “entomofagia” - divide opiniões, dependendo da cultura de origem de cada indivíduo. As razões pelas quais os insetos são consumidos pelo homem são bem variadas, porém, o que muitas pessoas não sabem é que todos os dias comemos, mesmo sem querer, grande quantidade de fragmentos de insetos e outros artrópodes (como ácaros). Estima-se que uma pessoa ingira cerca de 1⁄2 quilo de insetos por ano, pois os mesmos não podem ser removidos em sua totalidade de alimentos processados, como as farinhas, por exemplo.

O consumo de insetos, assim como o uso das PANCS (plantas alimentícias não convencionais) como alternativas de alimentação de alto valor nutricional foi tema de um painel organizado pelo INCT de Entomologia Molecular (INCT-EM) no Festival do Conhecimento da UFRJ - evento online que comemorou os 100 anos da Universidade.

 

Intitulado “Comendo fora da Caixa: pancs e insetos como alimento humano”, o painel temático foi idealizado e mediado pelo Prof. Pedro Lagerblad de Oliveira (IBqM/UFRJ), coordenador do INCT-EM, e contou com a participação de quatro especialistas desta área multidisciplinar. O painel foi transmitido, ao vivo, no dia 16 de julho/2020, para assistir a gravação acesse o link: https://www.facebook.com/watch/live/?v=904925886676436&ref=watch_permalink

Cerca de três mil grupos étnicos, em mais de 120 países, consomem insetos como suplemento alimentar, como substitutos de outros alimentos em tempos de escassez ou como constituintes principais da dieta. Algumas culturas consideram certas espécies de insetos como iguarias. Geralmente são consumidos frescos, torrados, fritos ou, quando temperados, usados em molhos e saladas, e também como patês. 

Para Eraldo Medeiros Costa Neto, ecologista de formação e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), a cozinha entomofágica  ainda permanece desconhecida (ou melhor, depreciada) da grande maioria da população mundial, especialmente nos países desenvolvidos. Segundo ele, há muito preconceito e etnocentrismo, pois o consumo de insetos é percebido como uma prática de “gente primitiva”. Baixe aqui a apresentação. 

 

Cozinha entomofágica: nutrição, prazer e experiência cultural

Há um conjunto de fatores que influenciam o consumo de insetos por humanos, como componentes históricos, culturais, ecológicos, sociais, financeiros, religiosos, entre outros. Estima-se que no mundo sejam consumidas cerca de 2 mil espécies de insetos. Mas qual a vantagem nutricional de se comer insetos?  Os insetos, além de serem uma fonte de alimento que contêm alta quantidade de proteínas e de lipídeos, e ricos em sódio, potássio, zinco, entre outros sais mineiras e vitaminas, oferecem também um benefício adicional: apresentam propriedades imunológicas, analgésicas, diuréticas, antibióticas, anestésicas, antirreumáticas e afrodisíacas. Ou seja, muitas espécies de insetos são fonte de alimentos funcionais que, além de fornecerem nutrientes, também melhoram a saúde humana, prevenindo e/ou tratando enfermidades. 

Se animou com os benefícios nutricionais dos insetos? Que tal acabar com os preconceitos e experimentar um menu etnofágico…? Salada de folhas verdes com tenébrios gigantes juntamente com uma entrada de dadinhos de coalho com redução ácida de melado e grilos. De prato principal, escolher entre risoto aos 4 insetos, omelete de larvas ou trio mariachi com baratas, tenébrios e grilos. Não poderia faltar variadas opções de sobremesa: grilos com chocolate, tartelette de ganache com larvas e madagascar ou um delicioso bolo com tenébrios. Deu água na boca, não? Este cardápio bastante variado foi apresentado por Rossano Linassi, professor de gastronomia do Instituto Federal Catarinense - Campus Camboriú (SC). Baixe aqui a apresentação

Segundo Rossano, que além de chef de cozinha é doutor em administração, a criação de insetos em cativeiro é um negócio inovador que pode ser bem rentável - tendo em vista que o valor de venda do kilo é elevado (gira em torno de R$250 a R$450) e o seu tempo de abate é rápido, são necessários em torno de 75 a 90 dias de criação. E ainda há o benefício adicional, de ser uma forma muito menos poluente de se obter proteína animal do que a criação de gado, porcos ou aves, pois para procriarem os insetos demandam o uso mais reduzido de água, terra e ração.  O escalonamento da criação de insetos, porém, continua sendo um desafio ao lado da regulamentação sanitária para a produção de insetos e industrialização de seus produtos para consumo humano.

 

Insetos como ração para peixes e crustáceos

Será que os insetos poderiam ser para os peixes e crustáceos, o que as pancs (plantas alimentícias não convencionais) são para nós humanos? Animais comestíveis não convencionais… Para Carlos Peres Silva, professor de Bioquímica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que trabalha com uso de insetos para alimentação animal, a literatura fornece evidências convincentes de que os insetos são uma fonte promissora de novos nutrientes para o uso em rações na aquicultura. Segundo ele, atualmente, há uma busca dos piscicultores por fontes alternativas de proteína animal, que sejam sustentáveis e de fácil manejo, pois a farinha de peixe usada na ração para alimentar animais aquáticos criados em cativeiro tem um custo elevado.

 

Em sua participação no painel temático “Comendo fora da Caixa”, o Prof. Carlos Peres apresentou artigos recentes do grupo multidisciplinar de pesquisa da UFSC, que reúne pesquisadores dos departamentos de Bioquímica, Aquicultura e Ciências e Tecnologia de Alimentos. Os estudos  demonstraram que a substituição de 100% da farinha de peixe por farinha das larvas do besouro Tenebrio molitor não alterou o crescimento do camarão branco do Pacífico e nem as suas características como alimento. Esses dados foram publicados nas Revistas “Aquaculture” e “Food Research International”.  Baixe aqui a apresentação

 

 

Atenção na coleta e preparo de pancs e insetos na alimentação

“Temos que ter cuidado ao coletar insetos e plantas não convencionais para alimentação, pois muitos insetos e plantas não são comestíveis e podem ser agentes tóxicos e alergênicos ao organismo humano” - observou Denise Bouts, professora do Instituto de Nutrição  da UFRJ. Segundo Denise, é necessário também muita atenção à forma de preparo, pois muitas plantas são classificadas como comestíveis, mas elas não podem ser consumidas cruas. 

O indicado é não coletar na natureza e optar por cultivar em sua própria casa as pancs de sua preferência, sempre buscando se informar em fontes confiáveis, para poder fazer um uso mais consciente e seguro dessas plantas de alto valor nutricional. Se após ler esta matéria e/ou assistir ao vídeo do painel temático você se sentir empolgado para se aventurar na cozinha explorando a gastronomia exótica dos insetos, a recomendação é semelhante a das pancs. Informe-se sobre as formas de preparo e compre os insetos de um produtor local, não colete na natureza, principalmente se for leigo em entomologia. Além de diminuir o impacto ambiental, você garante uma refeição nutritiva e com segurança alimentar.

 

Painel temático “Comendo fora da caixa:  Pancs e insetos como alimento humano”. Clique aqui para assistir

"Entomofagia no Brasil”-  Prof. Eraldo Medeiros (UEFS). Clique aqui para baixar a apresentação.

“Antropoentomofagia e gastronomia: o novo caminho da alimentação” -  Prof. Rossano Linasi (Instituto Federal Catarinense). Clique aqui para baixar a apresentação.

“Insetos como ingredientes para a aquicultura” -  Prof. Carlos Peres Silva (UFSC). Clique aqui para baixar a apresentação.

 

 

Por Lúcia Beatriz Torres, jornalista de ciência e assessora de comunicação do INCT de Entomologia Molecular.

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