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Ensaio toxicológico com carrapatos do cão (Rhipicephalus sanguineus). Foto: Guilherme KlafkeEnsaio toxicológico com carrapatos do cão (Rhipicephalus sanguineus). Foto: Guilherme KlafkeVeterinários e donos de animais domésticos conhecem bem o problema: o cachorro tem carrapato, é tratado com produtos parasiticidas, mas… os carrapatos continuam firmes, fortes e famintos. Pesquisadores em entomologia molecular se debruçaram cientificamente sobre a questão e comprovaram o que o faro de muitas pessoas já desconfiava: a falta de eficácia dos produtos acontece porque populações de carrapatos do cão (Rhipicephalus sanguineus) coletadas no Rio Grande do Sul são resistentes a três das principais drogas utilizadas no controle desses parasitas: os produtos à base de deltametrina, fipronil e ivermectina. Este é o trabalho mais profundo e amplo sobre a resistência dos carrapatos do cão realizado no Brasil até agora, ou seja, com o maior número de populações de carrapatos e carrapaticidas analisados, e o primeiro trabalho a descrever a resistência dos carrapatos do cão da linhagem temperada, que é a linhagem encontrada no estado do Rio Grande do Sul.

Um artigo com os principais achados da pesquisa foi publicado recentemente e é fruto da pesquisa de mestrado de Simone Becker, orientada pelo professor Guilherme Klafke, do Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF), ligado à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul. A pergunta científica surgiu a partir da experiência de Simone - que é veterinária clínica - no cuidado dos animais: por que os produtos não eliminam completamente os carrapatos dos cães? Para responder à pergunta, os pesquisadores foram a campo, na caça aos carrapatos. “Coletamos amostras de carrapatos em diversos locais da Zona Metropolitana de Porto Alegre: no canil do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre, em abrigos de animais de rua, e em residências”, conta Guilherme Klafke. Em seguida, os pesquisadores fizeram ensaios analisando a toxicidade de cada um dos medicamentos nas populações de carrapatos. “Das 9 populações analisadas, 7 populações foram resistentes à deltametrina, um inseticida piretroide, algo que confirma outros estudos que mostram que existe resistência disseminada aos piretroides não só em carrapatos do cão, mas em carrapatos dos bovinos e em mosquitos, por exemplo”, afirma Guilheme. “Também encontramos populações de carrapatos resistentes ao fipronil, um achado inédito aqui no Brasil, e resistência, em um nível mais baixo, à ivermectina, que não é um medicamento específico para tratamento contra carrapatos em cães, mas é amplamente utilizado com essa finalidade”, diz Guilherme.

A resistência aos parasiticidas é um mecanismo de adaptação dos carrapatos - e de outros insetos e pragas - à adversidade. “Quando usamos veneno pra controlar carrapato, a gente mata os que são suscetíveis, mas alguns indivíduos têm características genéticas específicas que os permitem sobreviver. E os que sobrevivem, transmitem essa informação genética que confere a resistência para seus descendentes, e assim sucessivamente”, conta Guilherme. O pesquisador explica que os remédios contra carrapatos costumam agir no sistema nervoso dos artrópodes, superexcitando os neurônios e levando à morte dos animais. E a resistência costuma acontecer de duas formas. A mais comum delas é por insensibilidade do sítio de ação, ou seja, quando a mutação genética dos carrapatos altera a estrutura da proteína que seria alvo do medicamento, fazendo com que a droga não consiga se ligar e matar o carrapato. O segundo mecanismo se dá quando o metabolismo dos carrapatos resistentes consegue detoxificar rapidamente os carrapaticidas, evitando que eles cheguem ao sistema nervoso.

Além de investigar o problema, os pesquisadores já trabalham na solução: desenvolveram um protocolo para exames laboratoriais de diagnóstico de resistência, onde os carrapatos são enviados para análise, e identifica-se a quais produtos eles são resistentes, uma ferramenta decisiva para orientar veterinários na melhor indicação do produto a ser utilizado. Assim é possível evitar que a seleção artificial - realizada pelo uso dos carrapaticidas - aumente ainda mais a resistência e espalhe populações de supercarrapatos, que são insensíveis a todos os produtos disponíveis, algo que já é realidade em populações de carrapatos bovinos. Vale mencionar que o biocarrapaticidograma - que testa a sucetibilidade e resistência dos carrapatos aos parasiticidas -  já é comum na análise do carrapato bovino (Rhipicephalus microplus). Mas na análise do carrapato do cão apenas o IPVDF, que é ligado ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul, faz esse trabalho. 

Apesar dos carrapatos bovinos serem o foco de pesquisa do Guilherme Klafke, ele afirma que  objetivo, a longo prazo, é desenvolver um diagnóstico molecular da resistência, em que os carrapatos seriam submetidos a um teste genético, e a análise do DNA já indicaria, em menos tempo do que o teste toxicológico, qual melhor produto para controlar a população. Buscar pistas genéticas sobre a resistência dos carrapatos bovinos a parasiticidas já rendeu este artigo, publicado no International Journal of Parasitology: Drugs and Drug Resistance e a ideia é repetir o feito na análise do carrapato do cão. 

E para melhor compreender as estratégias de sobrevivência dos carrapatos, outras pesquisas continuam sendo necessárias. “É importante novos trabalhos, que ampliem o número de populações de carrapatos analisadas, e desenvolver metodologias para diagnosticar a suscetibilidade às drogas de última geração, antes que o problema da resistência comece a aparecer”, afirma Guilherme. Cachorros e humanos agradecem!

Por Rosa Maria Mattos, assessora de comunicação do INCT em Entomologia Molecular

 

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