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Bernardo Carvalho e Eduardo Dupim, ao lado da fazenda de moscas, na UFRJBernardo Carvalho e Eduardo Dupim, ao lado da fazenda de moscas, na UFRJEm uma época em que a afirmação da diversidade sexual e de gênero ganha cada vez mais importância - entre os seres humanos, claro - pesquisadores de biologia evolutiva enfrentam um mistério sobre os machos. Dos nossos 44 cromossomos, guardiães do DNA, dois deles destacam-se pela fama e função: determinar o sexo biológico. XX para o sexo feminino, XY para o masculino. O cromossomo Y, exclusivo dos machos, é encontrado não apenas em humanos, mas em inúmeros outros seres vivos, de plantas a insetos. Como estes cromossomos surgem e evoluem diversas vezes em diferentes grupos de animais e plantas? Porque são mais “curtos” (possuem bem menos genes) que os cromossomos X?

Este texto não irá responder a nenhuma destas perguntas - mas o trabalho do grupo coordenado por Antônio Bernardo de Carvalho, pesquisador do Departamento de Genética do Instituto de Biologia da UFRJ, está fazendo sua parte na montagem deste complexo quebra-cabeças. Uma pesquisa com 400 espécies de moscas de fruta – as drosófila - traz um novo e intrigante elemento para a mesa de debates: nada é tão simples como parecia ser! O artigo que traz o achado foi publicado na revista Plos Genetics, e recentemente recomendado pelo F1000 prime, uma plataforma de avaliação de pesquisas científicas, que considerou o trabalho relevante e que parte de uma ideia simples e inteligente.

Para penetrar o mistério é preciso falar da dificuldade de estudar o cromossomo Y. “Apesar de sua importância para o sexo masculino, pouco se sabe sobre o cromossomo Y. E o motivo disso é porque é difícil estudá-los, já que estão em uma região de DNA de difícil sequenciamento, o que faz com que seja tão necessário desenvolver técnicas e métodos para estudar essa região”, afirma Eduardo Dupim, cientista cuja pesquisa de doutorado culminou na publicação do artigo.

Apesar de tanta complexidade, as moscas de fruta – também conhecidas como “mosquinha da banana” – são um modelo clássico para estudo genético e dos cromossomos usado a mais de 100 anos devido a sua simplicidade. Que o diga Thomas Hunt Morgan, que venceu o prêmio nobel em 1933 justamente por um estudo sobre as cores dos olhos das moscas, genética e hereditariedade.

Saltando para 2005, um trabalho do professor Bernardo demonstrou que genes relacionados à fertilidade de um grupo de espécies das drosófilas não estava no cromossomo Y, onde esperava-se que estivessem, mas num autossomo - nome dado aos demais pares de cromossomos não-sexuais. Ou seja: o cromossomo Y era completamente diferente entre as espécies, e os genes masculinos do cromossomo Y original haviam sido incorporados por um autossomo. 

“Mas a questão é que Drosophila é um gênero enorme de moscas de fruta, tem mais de mil espécies, e a nossa pergunta foi: "será que aquele evento que observamos — a fusão dos genes do Y ao autossomo — pode ter acontecido mais vezes na história evolutiva das moscas?", questiona Eduardo.

Para isso, os pesquisadores ampliaram a amostra para o expressivo número de 400 espécies. Usando PCR - uma técnica simples e de baixo custo de biologia molecular, usada na maioria dos laboratórios – os pesquisadores analisaram o material genético das 400 diferentes espécies de mosquinhas em busca de nove genes conhecidos do cromossomo Y de duas moscas-de-fruta com genoma sequenciado. A pergunta refeita 400 vezes: estes genes estavam no cromossomo Y ou no autossomo ou X?

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E os pesquisadores encontraram outros casos em que os genes que deveriam estar no Y estavam fora do Y? “A resposta é sim, a gente encontrou mais um evento, em um grande grupo de espécies asiáticas, do subgrupo montion, na qual todos os genes não estão no cromossomo Y, mas em outro cromossomo”, afirma Eduardo. No total, 13% das espécies amostradas (52 de 400) possuem um cromossomo Y incorporado, ou seja, onde a maioria dos genes – antes presentes apenas em machos – passam a estar presentes em ambos os sexos. O próximo passo dos pesquisadores é entender melhor as consequências desta mudança nos genes, e em qual cromossomo eles foram parar.

Esta pesquisa mostra que, diferente do observado em humanos e outros mamíferos, o cromossomo Y pode evoluir de forma mais dinâmica do que se acreditava. “O que podemos afirmar é que a evolução do Y vista nas drosófilas não é igual a que se observa em mamíferos, erroneamente assumida como se fosse a evolução de todos os cromossomos Y. O que estamos vendo claramente é que, estudando mais a fundo diferentes Y, em diferentes gêneros de animais, a gente está descobrindo novos caminhos e novas histórias, com novas tramas e dinâmicas”, afirma Eduardo Dupim.

Rosa Maria Mattos, assessora de comunicação do INCT de Entomologia Molecular

 

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